terça-feira, dezembro 25, 2007

Meus Presentes

Hoje eu me lembrei do quanto estive perdida um ano atrás. E lembrei do quanto eu era triste, simulando uma alegria espontanea maquiada, e o quanto as pessoas achavam que eu era feliz e forte, acreditando naquela mentira que eu pintava todas as manhãs ao escolher com cuidado as minhas roupas, ao fingir que eu ria da vida.

Hoje eu me lembrei de tudo o que eu acreditava ser importante pra mim nessa fase e do quanto nao era importante nenhuma dessas coisas. E de como eu brinquei de amor, de sucesso, de segurança, de felicidade, que nem um menininho de 11 anos que põe sua capa de superman e corre pela casa fingindo voar.
E da minha tristeza que era tamanha que eu nao podia olhar pra ela,nem um segundo, pra que nao quisesse morrer de um infarto fulminante ou de qualquer outra coisa. E hoje, com a distancia segura do tempo, eu olho nos olhos daquela tristeza do passado e consigo ver como ela era feia.

Me lembrei de quando olhei de rabo de olho para aquela tristeza e comecei a assumir que ela estava ali, pouco a pouco. E aí sim, tive vontade de morrer, nao por minhas maos é claro, mas 'naturalmente'. Ou pra conservar a crença das pessoas na minha felicidade, ou pra ver quem realmente ia chorar com o coração no meu interro, e quem se lembraria de mim depois de 5 ou dez anos. E o meu medo de ser esquecida era tamanho, o meu medo de ver as pessoas tocando suas vidas normalmente sem mim era tamanho, que eu resolvi nao querer mais morrer.

Mas nao era um querer morrer transparente. Era um querer morrer baixinho que morava dentro de mim, la no cantinho, que nem um virusinho de um resfriadinho que nao se curou.
E hoje eu olho para aquela tristeza, nas fotografias da memoria e me da ate um arrepio. Me da um mal estar e um tremendo alivio de ver que isso tudo passou. Mas que, como uma doença fúnebre que passou, nao gosto de lembrar, nem de falar sobre isso.

Mas hoje eu vou falar porque é Natal.
Não da doença fúnebre. Mas da saúde do meu espirito reabilitado nesse momento. Do quanto eu comecei a ver, pouco a pouco e com clareza, o que é realmente importante pra mim.

Todos os anos, nessa época, eu finjo só agradecer mas na verdade o que eu sinto é espectativa. Pelo que poderá vir, pelo que eu quero conseguir, pelo que eu quero que seja meu.
Mas esse ano foi diferente. Esse ano eu abri as gavetas do meu coração, sozinha na minha janela, e comecei a colocar tudo pra fora, como quem quer ver cada coisa que tem dentro. Mesmo ja sabendo o que tem la.
Mas resolvi analizar cada coisa.
No meio de tudo, eu tirei minha avó, tão amada por mim. Passei as maos com cuidado nos cabelos brancos dela e agradeci. Agradeci a Deus por te-la. E me senti tão feliz... como uma menina que pega seu amuleto mais amado com dedos delicados e admira.

Junto dela, pendurada no chaveirinho, estava minha mãe, com seu jeito de criança, seu olhar de criança e suas pirraças de criança rs. Lembrei do seu colo de mae, do como amo abraçá-la enquando ela sorri ao me ver, do quanto é bom pegá-la no aeroporto e apertar ela toda.Das nossas brincadeiras, dos nossos simboladinhos... Do quanto eu a amo e do quanto ela ainda se sente insegura com isso. E eu agradeci a Deus mais uma vez. A esse Deus-papai-noel que deu ela pra mim de presente.

Depois eu tirei meu pai, minha outra avó, meu irmão, minha maedrasta, limpei a poeira de um pedaço da estante e coloquei-os lá, feliz e em paz por saber agora mais que nunca, do amor que eles tem por mim. E por senti-los como parte das pessoas que mais amo da minha familia. E também agradeci muito.

Ainda de dentro do meu coração, tirei o Meu Amor. Meu amor puro. Com seus olhos brilhando e que apesar de tantos anos e tantas quedas e tantos testes, estava la, novinho em folha, como se eu tivese acabado de rasgar sua embalagem. Vi nele tanta historia bonita de se contar, tanto futuro feliz, tanta amizade e tanta dedicação e correspondência... e agradeci mais uma vez. Muito muito.

E,como se ja nao bastasse pra que eu me sentisse imensamente feliz, ali no meio de tudo, mas nao num lugar menos especial, estavam as minhas duas irmãs, uma amizade tão linda e tão genuina... consegui mais uma vez ver como elas sao importantes e indispensaveis na minha vida... o quanto eu as amo e o quanto sou amada de volta.
Mesmo depois de todas as provas de distancia, ausencia, desencontros e principalmente tempo; a prova que geralmente reprova a maioria das relações de amizade.E mesmo sem morrer, soube a falta que elas sentiriam e sentem de mim.

Vi mais duas meninas. Dois anjinhos dorminhocos. Dois anjos fundamentais, que me carregaram no colo quando a visao da minha tristeza me paralizou e nao me permitiu correr. Dois anjos que viram a minha tristeza de frente e nao se deixaram ludibriar pela superficialidade da minha alegria. E me deram a mao e me puxaram com toda a força e coragem, enquanto aquela tristeza horroroza ainda se agarrava nos meus pés.
E mais uma vez eu agradeci.

Agradeci a Deus-papai-noel pelas coisas mais importantes da minha vida, pela minha família junto comigo na ceia, pelos meus 'presentes maiores'. E mesmo sem ter certeza se eu merecia todas essas pessoas-presente, agradeci humildemente, recolhi com cuidado uma por uma, e coloquei tudo de volta, bem guardado, no meu coração, com uma felicidade serena não exposta. Mas muito mais importante e verdadeira do que qualquer 'felicidade escandalosa de brinquedo'.

domingo, dezembro 23, 2007

Lembra da minha calça coral??? A blusa prateada demodé, as sandálias bege que nao combinavam em nada com coisa nenhuma? E a minha simpatia cautelosa que tentava esconder minha segurança e minha timidez. E você quase nao falava. Como sempre aliás. A vez sempre foi minha..... com seus olhos vivos atentos, sempre observando e analizando; quase nao falava, até que tivesse o momento certo de falar.

Eu me lembro de cada detalhe. Dos braços que chamaram a minha atenção, dos dois anos em que eu esperei pela minha vez enquanto a fila estava muito grande, das caronas de bicicleta, e qdo você distraidamente passava rente a algum carro parado e meus pés batiam nos pneus. E eu me zangava e me irritava. Como sempre. Mas depois tinha o sofá estampado e o pouco tempo, a sua paciência impaciente, e tantas outras coisas tão infantis e desatuais. E os momentos de sabedoria e maturidade, quando você me acalmava, quando me fazia adormecer deitada no seu colo enquanto me olhava com jeito de quem vê coisas que eu nao conseguia a ver. E fazia declarações de amor baixinho, que eu sempre ouvia, mesmo quando ja estava dormindo. E era o sono dos deuses. E tinha a hora de ir e as mãos que balançavam na janela, enquanto você ia sumindo, numa esquina apos a outra.

As vezes em que nos arrumávamos como adultos e saíamos para jantar como adultos, para comemorar alguma data especial. E, como crianças, escolhiamos sempre os rodízios de pizza e competíamos, na nossa gulodice adolescente.
As vezes em que eu chorava, e voce estava do meu lado, eu estando certa ou nao.
E quando eu te explicava algo banal que eu tinha aprendido, ou mais uma teoria maluca, e você, por amor ou benevolência, escutava atento, como se fosse uma verdade absoluta ou simplesmente me dava a atenção de que eu precisava,sem ridicularizar ou contextar, como um pai, que houve seu filho de 4 anos contar sobre como foi a escola e sobre como se somam dois mais dois.

E o seu absoluto zelo e respeito pelo meu castelo florido, pelo meu jardim perfeito, pela minha visão romantica das coisas, quase que lunática, deixando que eu habitasse nesse castelo sem me fazer enchergar a realidade das duras paredes de pedra.... (continua)

À Francesa

Eu nao vou me despedir. Nem te enterrar. Nem mesmo chorar ou perder o sono.
Porque voce foi embora aos poucos, dia após dia, bem devagar, e dizendo que ia ficar.
E quando eu perguntava, voce segurava minha mao e dizia que estava aqui e que nao ia a lugar algum. E depois eu sempre achava uma pilha de roupas empilhadas aqui, um voucher de algum hotel ali, e voce dizia que nao foi nada. E que vinha em breve. E eu me convencia de que nao havia visto nada.
Mas a minha memória tem um vírus que faz com que ela nunca possa ser completamente apagada.

E voce começou a morrer. Nao porque eu quizesse. Mas porque voce fez com que fosse assim.
E um dia eu realmente percebi que você tinha ido. E decidi nao chorar. Nem te enterrar. E nem me despedir. Até porque nao haveria como.

E hoje eu tenho medo que voce volte. Nao porque voce tenha ido. Mas por conhecer voce demais. E saber que se voce voltar, vai me dizer que nunca foi. E vai tentar me convencer de todas as maneiras que tudo fui eu. E que cada atitude sua foi calculada para me colocar à prova. Eu só quero que voce nao me diga nada. E nem ensaie dizer. Porque eu tenho medo das suas palavras e dos seus artificios e embora nada pudesse fazer com que eu mude o curso da minha vida agora, eu tenho medo que suas palavras possam me ferir com a culpa que você tentará impingir a mim. Entao nao fale. Se for aparecer diga oi. Só isso. Porque eu ja o conheço e ja vejo e sei o que tinha que saber. Diga oi, com a mesma naturalidade de duas pessoas que cotidianamente se encontram naquele mesmo horário. Com a naturalidade de um adulto que quebra mais uma taça em toda a sua vida, e não com a astúcia de uma criança que quebra uma taça e tenta esconder os caquinhos, e encobrir a verdade do próprio erro.E eu direi oi de volta, não para um mito imortal, mas para um ser humano, que sangra e faz sangrar.

(Para minha irmã, que já viu muitos 'voce' morrerem)