domingo, dezembro 23, 2007

À Francesa

Eu nao vou me despedir. Nem te enterrar. Nem mesmo chorar ou perder o sono.
Porque voce foi embora aos poucos, dia após dia, bem devagar, e dizendo que ia ficar.
E quando eu perguntava, voce segurava minha mao e dizia que estava aqui e que nao ia a lugar algum. E depois eu sempre achava uma pilha de roupas empilhadas aqui, um voucher de algum hotel ali, e voce dizia que nao foi nada. E que vinha em breve. E eu me convencia de que nao havia visto nada.
Mas a minha memória tem um vírus que faz com que ela nunca possa ser completamente apagada.

E voce começou a morrer. Nao porque eu quizesse. Mas porque voce fez com que fosse assim.
E um dia eu realmente percebi que você tinha ido. E decidi nao chorar. Nem te enterrar. E nem me despedir. Até porque nao haveria como.

E hoje eu tenho medo que voce volte. Nao porque voce tenha ido. Mas por conhecer voce demais. E saber que se voce voltar, vai me dizer que nunca foi. E vai tentar me convencer de todas as maneiras que tudo fui eu. E que cada atitude sua foi calculada para me colocar à prova. Eu só quero que voce nao me diga nada. E nem ensaie dizer. Porque eu tenho medo das suas palavras e dos seus artificios e embora nada pudesse fazer com que eu mude o curso da minha vida agora, eu tenho medo que suas palavras possam me ferir com a culpa que você tentará impingir a mim. Entao nao fale. Se for aparecer diga oi. Só isso. Porque eu ja o conheço e ja vejo e sei o que tinha que saber. Diga oi, com a mesma naturalidade de duas pessoas que cotidianamente se encontram naquele mesmo horário. Com a naturalidade de um adulto que quebra mais uma taça em toda a sua vida, e não com a astúcia de uma criança que quebra uma taça e tenta esconder os caquinhos, e encobrir a verdade do próprio erro.E eu direi oi de volta, não para um mito imortal, mas para um ser humano, que sangra e faz sangrar.

(Para minha irmã, que já viu muitos 'voce' morrerem)

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