quinta-feira, dezembro 13, 2012

A Caixa


(Algumas palavras sobre os sonhos que temos, sufocados em nossos armários, fingindo que não estão mais ali)

Sinto as correntes imateriais que me prendem
Surgem cada vez mais correntes a medida que o tempo passa
Elas pesam... e dói quando eu olho o céu.
Queria romper o céu, sem as minhas amarras... e ir

Livre... ir

O diamante está guardado onde só eu posso achar
E como um vício pela dor, eu olho dentro da caixa mais uma vez.
Só mais uma vez...
A dor é a minha força criativa. Me enche de vida e a vida dói
Mas preenche os espaços em aberto

Fecho a caixa e rio vitoriosa sobre o controle que acho que tenho
Coloco os pés a um suspiro do abismo e olho para baixo...
Um auto teste masoquista para provar para mim
Que tenho tudo sob controle, mesmo sabendo estar por um fio de me deixar escapar.

Paro quase no último centímetro de pedra sob meus pés.
Guardo a caixa.
Mais algumas horas, talvez dias de devaneio
Olhando o céu, imaginando como seria passar por entre as grades
Romper o espaço entre o que eu devo e o que eu quero

Livre... ir


quarta-feira, maio 02, 2012


Poema em linha reta
Fernando Pessoa(Álvaro de Campos)


"Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza."


 Um dos meus poemas preferidos. Pessoa; um gênio na tradução dos sentimentos.

sábado, abril 21, 2012

Atualizando...

Tenho que me manter atualizada
Hoje eu acessei o G1
Hoje eu li as principais notícias
Hoje eu comprei um novo celular
E mandei vários e-mails
e fiz compras virtuais
e 'cutuquei' uma conhecida de quem nem me lembrava mais

Fiquei desatualizada da família...
Minha irmã estava deprimida e eu não percebi
Meu filho engatinhou e eu não vi
Minha esposa escreveu um bilhete e eu não li.
Minha mãe chorou de saudades, eu não atendi.
Mas eles entendem... Eles esperam...

O celular que serve para me atualizar das notícias
Se esquece de ligar para o meu pai.
O tempo vai passando e eu vou me atualizando
Pois a amiga da creche que eu não lembrava mais me adicionou
Mas é tanta coisa na cabeça, que eu esqueci o aniversário do vovô.
Mas ele entende... Ele espera...

Você entende... é que eu preciso me atualizar;
- da última piada
- do último novo golpe
- do último escândalo da tv
- do último político que roubou
- da cotação do dólar que baixou
- das fotos que a amiga da namorada da irmã postou
- do dinheiro que era para entrar e não entrou

Eu preciso me concentrar;
- no trabalho que tenho para entregar
- no chefe que foi esquiar
- na conta que eu vou depositar
- nas metas que eu vou conquistar...

... e quando eu me atualizar...
... e quando o dinheiro, eu conquistar...
... bem, quando eu me atualizar...

Quem sabe terá alguém...
- daqueles tantos que eu esqueci
- daqueles relacionamentos em que eu me omiti
- daqueles momentos em que eu não vivi
- do próximo que é o mais próximo, que mora comigo e eu não vi...

Quem sabe restará alguém...
Para comemorar...
Para comemorar...
O quê mesmo?
Para quê mesmo eu queria o mundo?

Eu não me lembro mais.
Mas com certeza, vai ter alguém...
(Com a frieza e a superficialidade de uma rede social)
Que vai me querer bem.